Conto: O mistério em vermelho
terça-feira, fevereiro 15
Chovia nos arredores de Rökk. Os muros de pedra que guardavam o castelo do Rei-Fera eram grandes e ameaçadores, como que fizessem jus à figura de seu líder. Havia guardas por todos os lados e, devo alertar, os guerreiros do Reino de Rökk são mais feras do que homens. Dentro do castelo, poucos móveis. Um ar obscuro, frio. Todos os cômodos tinham aspecto melancólico, a exceção de um. Aquele, sem exageros, poderia ser o aposento mais belo de toda Nova Ether. Na cama um corpo de mulher remexia-se, pronto para levantar-se de um longo sono. Seus cabelos eram lisos e castanhos e, mesmo bagunçados, eram lindos. A mulher caminhou até uma rosa e admirou-a. Deixou a essência tomar-lhe o corpo, os sentidos. Depois seguiu em direção a uma rústica mesa de cabeceira, no lado esquerdo da cama, e posicionou-se em frente a um grande espelho central. O reflexo daquela mulher explicitava uma beleza tão grandiosa que não cabe em palavras. Até a mais pura das criaturas evitaria olhá-la, temendo que fosse levada por aqueles olhos verdes, como uma onda cava e profunda que ameaça avançar e tudo sugar. Aquela mulher era Bella, a princesa dos olhos de ressaca.
Num dos andares de baixo, apertados em um aposento escuro, dois adolescentes sussurravam palavras nervosas. Vinham de uma terra distante, mas não de um reino qualquer: Arzallum, país do Rei dos Reis. Carregavam nas costas uma importante missão. Se falhassem, haveria sangue no lugar de neve. Ariane Narin, ignorando o fato de estar tão próxima de João Hanson que era capaz de sentir sua respiração, o olhava assustada. Não assustada como dois adolescentes apaixonados em proximidade, mas como dois barris de pólvora prestes a declarar o estopim de uma guerra. Ele tentava acalmá-la alisando sem jeito seu braço direito. Precisavam de um plano. Precisavam de respostas. Mais cedo àquela tarde Ariane o havia procurado. Ela finalmente conseguira, depois de semanas infiltrados no castelo como servos, trocar algumas palavras com a princesa Bella. Mas o que deveria ser uma conquista transformou-se em desespero. A menina falara de seu plano, em como Rei Anísio Branford resolvera ajudar o então desesperado Rei Adamantine, de Aragon, a resgatar finalmente a sua noiva das garras do tirano Rei-Fera. Dissera com ânimo que estava ali para levá-la de volta para seu Reino, para sua vida. Mas, para a surpresa de Ariane, Bella parecia não entender do que aquilo se tratava. Achava que a menina deveria ter se enganado, pois não se lembrava de nenhum Rei Adamantine, nem de nenhum Reino de Aragon. E por esse motivo Ariane Narin estava agora aos braços de João Hanson, desolada, com medo. De alguma forma a princesa se esquecera de sua antiga vida e recusava-se a sair de seu aposento. Se eles não descobrissem logo um modo de trazer à tona as memórias de Bella, algo muito, muito ruim, aconteceria.
Era noite. O castelo de Rökk abandonara sua monotonia usual para ser palco de um grande banquete em homenagem ao Rei-Fera. Os criados eram forçados a trabalhar dobrado, rodavam pelo castelo, reviam tudo nos mínimos detalhes. Não que o Rei-Fera fosse perfeccionista, longe disso, mas ninguém queria perder a cabeça. Nesse dinamismo estavam João Hanson e Ariane Narin. Não podiam abandonar suas atividades servis, principalmente agora, e, por esse motivo, mal conseguiam se falar nos últimos dias. A situação fora do Reino de Rökk apertava-se cada vez mais. O Rei Adamantine estava ficando impaciente. João Hanson caminhava agora pelos corredores do castelo, tão disperso em seus pensamentos, que não sabia ao certo para onde seguia. Só quando viu de relance um corpo peludo se esgueirar para fora de uma porta, despertou. Era o Rei-Fera. João paralisou por um instante mas, ao notar de quem era o quarto, uma luz clareou sua mente e uma onda de curiosidade e excitação percorreu seu corpo. Havia tantas flores que João pensou ter errado de porta e pegado um atalho para o jardim. Deu mais uma olhada no cômodo. Flores misteriosamente transfiguravam-se nos cantos, cresciam entre as paredes, tomavam espaço pelos delicados móveis de madeira. Aquele era, sem sombra de dúvida, o quarto da princesa Bella. Entrou ainda boquiaberto. Não é todo dia que se vê algo assim. À medida que percorria o aposento, suas dimensões pareciam aumentar. Havia algo estranho ali. Avistou um vermelho. Estremeceu. Seu histórico com sangue não era dos melhores. Olhou mais uma vez, apertando as pálpebras, e a viu. Era uma pequena, mas não menos significante, rosa vermelha. Parecia ter uma atenção especial, um maior cuidado, pois ao seu redor, cobrindo-a, havia uma tampa feita de vidro. Sua fragrância era tão encantadora que era possível sentí-la pelo resto da vida. João Hanson caminhou rumo ao vermelho. Sua mente desejava aquela rosa, suas narinas pediam por aquela essência. Não muito longe dali, Ariane Narin sentiu uma brisa fria, gelada. Suas pupilas dilataram, todos os pelos do seu corpo arrepiaram, seu coração acelerou. Ariane Narin sentia a magia negra.
Num dos andares de baixo, apertados em um aposento escuro, dois adolescentes sussurravam palavras nervosas. Vinham de uma terra distante, mas não de um reino qualquer: Arzallum, país do Rei dos Reis. Carregavam nas costas uma importante missão. Se falhassem, haveria sangue no lugar de neve. Ariane Narin, ignorando o fato de estar tão próxima de João Hanson que era capaz de sentir sua respiração, o olhava assustada. Não assustada como dois adolescentes apaixonados em proximidade, mas como dois barris de pólvora prestes a declarar o estopim de uma guerra. Ele tentava acalmá-la alisando sem jeito seu braço direito. Precisavam de um plano. Precisavam de respostas. Mais cedo àquela tarde Ariane o havia procurado. Ela finalmente conseguira, depois de semanas infiltrados no castelo como servos, trocar algumas palavras com a princesa Bella. Mas o que deveria ser uma conquista transformou-se em desespero. A menina falara de seu plano, em como Rei Anísio Branford resolvera ajudar o então desesperado Rei Adamantine, de Aragon, a resgatar finalmente a sua noiva das garras do tirano Rei-Fera. Dissera com ânimo que estava ali para levá-la de volta para seu Reino, para sua vida. Mas, para a surpresa de Ariane, Bella parecia não entender do que aquilo se tratava. Achava que a menina deveria ter se enganado, pois não se lembrava de nenhum Rei Adamantine, nem de nenhum Reino de Aragon. E por esse motivo Ariane Narin estava agora aos braços de João Hanson, desolada, com medo. De alguma forma a princesa se esquecera de sua antiga vida e recusava-se a sair de seu aposento. Se eles não descobrissem logo um modo de trazer à tona as memórias de Bella, algo muito, muito ruim, aconteceria.
Era noite. O castelo de Rökk abandonara sua monotonia usual para ser palco de um grande banquete em homenagem ao Rei-Fera. Os criados eram forçados a trabalhar dobrado, rodavam pelo castelo, reviam tudo nos mínimos detalhes. Não que o Rei-Fera fosse perfeccionista, longe disso, mas ninguém queria perder a cabeça. Nesse dinamismo estavam João Hanson e Ariane Narin. Não podiam abandonar suas atividades servis, principalmente agora, e, por esse motivo, mal conseguiam se falar nos últimos dias. A situação fora do Reino de Rökk apertava-se cada vez mais. O Rei Adamantine estava ficando impaciente. João Hanson caminhava agora pelos corredores do castelo, tão disperso em seus pensamentos, que não sabia ao certo para onde seguia. Só quando viu de relance um corpo peludo se esgueirar para fora de uma porta, despertou. Era o Rei-Fera. João paralisou por um instante mas, ao notar de quem era o quarto, uma luz clareou sua mente e uma onda de curiosidade e excitação percorreu seu corpo. Havia tantas flores que João pensou ter errado de porta e pegado um atalho para o jardim. Deu mais uma olhada no cômodo. Flores misteriosamente transfiguravam-se nos cantos, cresciam entre as paredes, tomavam espaço pelos delicados móveis de madeira. Aquele era, sem sombra de dúvida, o quarto da princesa Bella. Entrou ainda boquiaberto. Não é todo dia que se vê algo assim. À medida que percorria o aposento, suas dimensões pareciam aumentar. Havia algo estranho ali. Avistou um vermelho. Estremeceu. Seu histórico com sangue não era dos melhores. Olhou mais uma vez, apertando as pálpebras, e a viu. Era uma pequena, mas não menos significante, rosa vermelha. Parecia ter uma atenção especial, um maior cuidado, pois ao seu redor, cobrindo-a, havia uma tampa feita de vidro. Sua fragrância era tão encantadora que era possível sentí-la pelo resto da vida. João Hanson caminhou rumo ao vermelho. Sua mente desejava aquela rosa, suas narinas pediam por aquela essência. Não muito longe dali, Ariane Narin sentiu uma brisa fria, gelada. Suas pupilas dilataram, todos os pelos do seu corpo arrepiaram, seu coração acelerou. Ariane Narin sentia a magia negra.
Se todas as atenções não estivessem voltadas ao jantar, uma garota correndo desesperada pelas escadas de pedra teria despertado inúmeras suspeitas. Mas, ignorando seu disfarce e a possibilidade de estragar a missão, Ariane Narin seguia firme aquela sensação. Talvez fosse a resposta que ela tanto procurara. Era óbvio: a princesa só poderia estar sobre efeito de magia negra. Como ela não sentira quando estava próxima à Bella? Balançou a cabeça. Esse não era o momento para averiguar o passado, algo muito sério estava para alterar o futuro e Ariane era a única pessoa que poderia evitar isso.
Porque Ariane Narin era uma bruxa.
A menina de súbito sentiu o sangue congelar. Deveria estar próxima. A alguns passos viu uma porta entreaberta, com uma luz quente vindo de dentro. Era lá. No próprio quarto da princesa, onde Ariane já estivera há alguns dias. Antes de entrar sussurrou algumas palavras estranhas. Estava armando-se para o pior. Passou pela porta, com magias de proteção, e rapidamente levou as mãos à boca, abafando um grito. João Hanson, seu beija-flor, o garoto que espalhava a melhor parte de sua alma, estava caído ao chão, desacordado, com as narinas sangrando. Segurou-o em seus braços, tentou acordá-lo, limpou os vestígios de sangue em seu nariz. Podia sentir um traço de magia negra em seu corpo, mas como? O que acontecera? Olhou para os lados desesperada por alguma luz, mas sua mente começava a relaxar. Olhava para o cômodo, para o garoto inconsciente, e começava a se perguntar por que estava ali. Um aroma a impedia de concentrar-se. Havia uma essência no ar que a hipnotizava. “A...Aria...ne”. Uma voz chamava-a de longe. Mas não era qualquer voz, ela sentia que não. Aquela voz aquecia seu coração, ativava seus sentidos. “João!”, gritou a menina, respirando rápido, como se acordasse de um sonho ruim. João abrira os olhos e, juntando todas as suas forças, conseguira sussurrar o nome de Ariane. Agora ele alternava os olhares, primeiro para menina depois para frente, como se quisesse dizer que havia mais alguém ali. E de certo havia, mas Ariane só percebeu tarde demais, quando foi atingida no peito por uma força. A princesa Bella estava de pé, junto à porta, com a mão direita erguida. João, ainda fraco, tentou levantar-se e reagir, mas os músculos do seu corpo contraíram, enchendo-o de dor. A pigmentação do olho de Bella sumira, não havia íris, só o branco. Ariane tremia, sua vista estava embaçada por conta das lágrimas. Estava novamente com João aos braços, desesperada, tentando lembrar algum contra feitiço.
- É... a ro...sa - murmurou João, em meio à dor.
A rosa agora brilhava com intensidade, e ao redor da princesa acumulava-se uma névoa sombria. Havia pouco tempo que Ariane iniciara na magia, ela nunca sentira tanto poder. O quarto começava a ficar cada vez mais escuro, as flores que cobriam o recinto murchavam; a magia negra espalhava-se. De súbito, Bella estremeceu freneticamente e Ariane sentiu que o próximo movimento da princesa seria o seu último suspiro e de João Hanson. O corpo da mulher contorcia-se, havia convulsões, palavras estranhas saiam numa voz que certamente não era dela. Ariane tentou juntar o que restou da essência da natureza, mas foi em vão. Viu o Rei-Fera entrando no cômodo. Era isso. Era o seu fim e não havia nada que ela fosse capaz de fazer para mudar isso. Olhou para João, estendido em seus braços, e pensou que talvez não fosse ruim morrer assim. "Sua idiota, não pense besteiras. Lute!", a voz do garoto ecoou em sua mente e, quando tudo parecia acabado, uma força sobrehumana encheu o pequeno corpo da menina. Ariane nunca soube explicar o que sentiu naquele dia, só o que sabia era que um grande poder explodira dentro de si, como se fosse uma luz que há muito esforçava-se para sair. A escuridão antes viva fora fortemente reprimida com a imensidão de luz que emanava do corpo da menina. Era tão radiante que todos fecharam institivamente os olhos. Houve gritos, muitos. E de repente tudo voltara ao normal. Ou o mais normal que a situação pudesse ser. A princesa voltava a si, o Rei-Fera estava estendido no chão, inconsciente, com uma mecha cinza em sua pelagem; a rosa vermelha espedaçada junto a seu corpo. João milagrosamente havia recuperado as forças e os hematomas sumiam. Ele olhou para Ariane, ainda um pouco abalado, e sorriu. Aquele sorriso causou lágrimas, mas lágrimas de alegria, de esperança. Lágrimas de vitória.
E o que aconteceu em seguida? Bom, você só precisa saber que tudo voltou a seu devido lugar.
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